Em alemão,Volkswagen significa"carro do
povo", epíteto que pode deixar de ser apenas mero nome de batismo para
virar realidade de mercado até 2018, quando termina o prazo do plano
estratégico do grupo para chegar à liderança mundial com um total de 10 milhões
de automóveis anuais. O Up! é o novo lance da marca dentro desse xadrez global
para alcançar sua meta ambiciosa, que inclui o Brasil, onde o modelo será produzido
a partir de 2014 já com motor flex.
Na Europa ela atuará no segmento dos subcompactos, onde estão modelos tão
diversos como o Fiat 500 ou o Kia Picanto, mas com preço-base de apenas 9 000
euros. No Brasil, terá outra função: cativar compradores do segmento de
entrada, fazendo o papel que é do Mille na Fiat e do Celta na GM. Significa que
o Up! custará de 25 000 e 28 000 reais, deixando o Gol livre para atuar entre
28 000 e 35 000 reais. Aliás, esse movimento de renovação do segmento não é
exclusivo da VW. A Fiat também trabalha num projeto de city car para 2014, que
substituirá o Mille, e a GM se prepara para lançar o Spark, dentro do projeto
Ônix, previsto para estrear em 2012.
Para conhecer o futuro irmão caçula do Gol, fomos à sede da VW, em Wolfsburg,
na Alemanha, onde pudemos dirigi-lo e conversar com seu criador, o designer
Walter de’Silva, que pegou os genes do Fiat Panda de 1980 e do VW Lupo (nome
que contém as letras "up") e concebeu o que ele entende ser o formato
mais indicado para um carro de vocação urbana, mas que não decepciona em
rodovias. O foco do projeto é o espaço interno, o que explica ele ser tão
pequeno por fora (3,54 metros de comprimento, ou 30 cm menor que um Gol) e
possuir entreeixos relativamente tão longo (2,42 metros, apenas 5 cm menos que
o do Gol), para permitir que quatro adultos se sentem com conforto suficiente.
É por isso que a parte frontal é tão curta - foi concebido um eixo dianteiro
especial para esse fim e os componentes sob o capô foram reorganizados para ser
o mais compactos possível, caso do sistema de refrigeração, instalado ao lado e
não à frente do motor. O teto mantém a altura da carroceria até o fim do carro,
terminando numa linha de queda abrupta, justamente para favorecer a
habitabilidade.
A habitabilidade é, aliás, a primeira surpresa do Up!, já que eu pude sentar no
banco traseiro sem que a cabeça raspasse no teto, apesar de meu 1,80 metro. As
pernas também cabem sem tocar as costas do banco dianteiro, mesmo com o assento
do motorista ajustado para alguém da minha altura. O túnel central no assoalho
não chega a ser um defeito grave, já que ele só pode levar dois passageiros no
banco de trás. O porta-malas tem capacidade para 251 litros de bagagem, o que é
pouco, quando comparado a um Gol (285) ou Uno (280), mas ganha de um Picanto
(200) ou de um Chery QQ (190). Porém, se precisar de mais espaço, é só baixar
todo o banco traseiro para ampliá-lo para 951 litros.
Se o espaço agrada, é na qualidade dos materiais e do acabamento do interior
que o Up! seduz. Mesmo com superfícies duras ao toque, os plásticos são bem
encaixados, não há imperfeições nas arestas e encontramos até detalhes
inesperados, como a descida amortecida da tampa do porta-luvas. Os comandos ao
centro do painel e as saídas de ventilação têm molduras cromadas, assim como os
mostradores do sóbrio quadro de instrumentos. As versões mais caras têm a parte
frontal do painel de acabamento laqueado (igual ao do Fiat 500) e volante de
base achatada (como em alguns Audi, mas com regulagem de altura e não de
profundidade), que elevam o nível de sofisticação da cabine bem projetada.
Um dos objetivos da Volks no Up! foi equipá-lo com tecnologias úteis para o uso
mais urbano, porém mantendo preços acessíveis. Assim, por 400 euros (921 reais)
é possível comprar uma central multimídia que integra navegação, sistema de som
e computador de bordo. Instalada de forma simples e bem integrada no alto do
painel, é destacável e dispõe de tela sensível ao toque que permite acessar o
contagiros digital e até o consumo de combustível. Serve ainda como conexão
Bluetooth para o celular e pode reproduzir as músicas gravadas no iPod.
Do ponto de vista técnico, o Up! é um modelo fundamental para a VW, porque é o
primeiro carro feito dentro da nova lógica industrial de compartilhamento de
estruturas, chamada Baukasten. Ela vai permitir a produção de todos os modelos
a partir de um único conceito técnico que, lá para 2020, será responsável pela
produção de 26 modelos de quatro marcas (VW, Audi, Seat e Skoda), o que explica
seu preço tão baixo. Por isso já está sendo chamado de novo Fusca, mas não o
descolado New Beetle e sim o original, por seu conceito, como um veículo
barato, de grande apelo popular e produção em massa.
O projeto utiliza fórmulas conhecidas no grupo, como a suspensão independente
McPherson na dianteira e a barra de torção na traseira. O câmbio manual de
cinco marchas é totalmente novo, assim como o motor, um três-cilindros de 1
litro com duas opções de potência, 60 e 75 cv, com consumo médio no padrão europeu
de 23,8 e 23,2 km/l, respectivamente. Para ter uma ideia, um Picanto na Europa
oferece média de 23,8 km/l (veja Teste do Picanto). No Brasil, só haverá uma
versão, um 1.0 flex, ainda sem potência definida. No ano que vem será lançada
na Europa a versão movida a gás natural, com 68 cv, e para 2013 é aguardado na
Europa o Up! elétrico. Mas antes, em 2012, a VW vai mostrar a configuração de
quatro portas, com o mesmo comprimento.
O confortável e bem acabado banco do motorista integra o encosto de cabeça, ao
menos nessa versão bem recheada, e me coloca diante de um quadro de
instrumentos simples de consultar e de aspecto sério, tal como todo o resto do
painel de bordo. Mas o melhor estava para vir. Ainda que estivesse preparado
para o ruído de cortador de grama típico dos motores de três cilindros, foi com
alegria que percebi que as vibrações foram bem mais leves nesse novo motor 1.0.
Outra boa surpresa foi o ótimo funcionamento da caixa de marchas, com uma
alavanca de acionamento silencioso e preciso - o avô Fusca deve estar
orgulhoso. A resposta do motor torna-se mais forte acima das 2 000 rpm, e o
fato de a versão testada de 75 cv ter relações mais curtas que as do carro de
60 cv torna-a mais ágil nas retomadas.
A direção de assistência elétrica é sempre leve (uma característica desejável
num automóvel que terá uso urbano) e suficientemente precisa. Também trabalha a
favor o bom acerto da suspensão, o que, favorecido pelas proporções da
carroceria (o Up! é bem largo e não especialmente alto), contribui para conter
a inclinação da veículo em curvas mais fechadas ou em movimentos bruscos do
volante, o que costuma ser um problema para a maioria dos carros desse
segmento.
Com um projeto tão moderno e racional, o Up! pode representar uma alteração no
segmento de entrada do mercado brasileiro, desde que se mantenha na faixa de
preço da concorrência, ou seja, entre 25 000 e 28 000 reais, o que só deve
reforçar sua vocação de futuro carro do povo.
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